sexta-feira, 17 de julho de 2009

Abordagem ventilatória na Atrofia Muscular Espinhal: "a evidência de um protocolo não invasivo"



Miguel R. Gonçalves - Unidade de Fisiopatologia Respiratória e Ventilação - Serviço de Pneumologia.Unidade de Cuidados Intensivos - Serviço de Urgência.Hospital Universitário de S. João, Porto, Portugal.

A Atrofia Muscular Espinhal (AME) é uma das doenças neuromusculares mais comuns. Ela é caracterizada em quatro tipos de acordo com a sua severidade. As do tipo I a criança nunca terá capacidade de sentar-se sozinha e menos de 20% dessas crianças sobrevivem até os 4 anos e geralmente morrem por complicações respiratórias a SMA do tipo II as crianças tem capacidade de sentar - se sozinhas mas nunca de andar e apresentam períodos de falência respiratória.
Para a AME tipo I as complicações respiratórias ocorrem entre o nascimento e os 2 anos e meio de vida. Este tipo de doentes sofrem de fraqueza generalizada dos músculos respiratórios, mas os seus níveis respiratórios poderão encontrar-se normais. No entanto estas crianças normalmente entram em falência respiratória devido a uma infecção respiratória, que surge devido à acumulação de secreções visto que, estes doentes não têm força para as expelir e estas acabam por infectar. Assim a criança é admitida em unidades de cuidados intensivos onde a aspiração não resolve a obstrução e o oxigénio apenas contribui para uma maior retenção de dióxido de carbono e a criança acaba necessitando de suporte ventilatório. Convencionalmente as infecções respiratórias resultam em pneumonias repetidas, em hospitalizações recorrentes, em entubamentos endotraqueais e em ultima instancia em traqueostomias e morte. A AME tipo I tem uma mortalidade ao fim de quatro anos superior a 80%. As novas opções de tratamento respiratório permitem, agora, um prolongamento da vida das crianças com AME tipo I.
De acordo com um protocolo desenvolvido por John R. Bach nos Estados Unidos da América, é possível evitar o recurso á traqueostomia para ventilar as crianças com AME de todos os tipos, diminuindo assim as complicações e aumentando a sua sobrevida e a qualidade de vida. As complicações da traqueostomia como as hemorragias, aspirações, enfisema, lesão tecidular e infecção podem ocorrer de forma precoce. Mais tardiamente há a possibilidade de aparecimento de estenose traqueal, traqueomalácia, hemorragia, infecções brônquicas recorrentes, obstrução e/ou desconexão da cânula, especialmente durante a noite.
Vários estudos provaram que, com as actuais técnicas não invasivas de avaliação e de tratamento, não se deve colocar a hipótese de recorrer a uma traqueostomia num doente neuromuscular, a não ser que haja compromisso dos músculos bulbares, como acontece em alguns casos de Esclerose Lateral Amiotrófica. No caso dos doentes já terem um tubo de traqueostomia, hoje em dia com as mais recentes técnicas de Ventilação Mecânica Não Invasiva (VMNI), é possível fazer um desmame seguro para a máscara nasal e/ou peça bucal.
A grande dificuldade em intervir nestes doentes está na má interpretação dos sintomas, porque não é feita uma avaliação adequada e são tomadas as decisões clínicas erradas que trazem conseqüências graves a longo prazo.
Nestes doentes é necessária uma avaliação rigorosa e objectiva direccionada para a mecânica ventilatória. Deve-se começar por avaliar a sintomatologia, o aumento da freqüência respiratória, alterações do ritmo cardíaco e tensão arterial, a simetria toraco-abdominal (respiração paradoxal), a diminuição da eficácia da tosse, alterações da fala e da deglutição e a influencia da posição na função respiratória.
Segundo o protocolo de Bach, que nós temos vindo a seguir nestes doentes, é
importante a introdução precoce da VMNI por máscara nasal durante o sono (Figura 1), logo que a criança comece a desenvolver um padrão respiratório toraco-abdominal do tipo paradoxal, de modo a prevenir as disfunções respiratórias que começam durante o sono. Assim a criança ganha tolerância progressiva a esta técnica e poderá dormir de uma forma mais segura. Está provado também que a introdução precoce de VMNI com pressões altas (IPAP - 18 a 20cmH2O; EPAP - 4cmH2O), promove o crescimento saudável da caixa torácica, prevenindo o aparecimento de deformações torácicas como o pectus escavatum. Para além de todas estas vantagens, a introdução precoce da VMNI, nestas crianças permite uma extubação directa para a VMNI em casos de agudização. Tal facto deve-se ao facto de a criança já estar habituada a esta terapêutica e quando é extubada, consegue tolerar melhor, evitando assim o recurso à traqueostomia. O protocolo eficaz de extubação directa para a VMNI em crianças com AME tipo I foi descrito e publicado nos seguintes estudos.
1 Bach JR, Niranjan V, Weaver B. Spinal muscular atrophy type 1: A noninvasive respiratory management approach. Chest 2000; 117:1100-1105
2 Bach JR, Baird JS, Plosky D, et al. Spinal muscular atrophy type 1: management and outcomes. Pediatr Pulmonol 2002; 34:16-22
3 Bach JR, Goncalves M. Ventilator weaning by lung expansion and decannulation. Am J Phys Med Rehabil 2004; 83:560-568
Os resultados descritos nestes estudos deverão ser tidos em conta em todas as unidades de cuidados intensivos que abordam estes doentes, de modo a que possam tentar aplicar esta abordagem ventilatória não invasiva em alternativa á traqueostomia.
Na grande maioria dos doentes neuromusculares, para não dizer na sua totalidade, a capacidade de tosse está francamente reduzida, devido a fraqueza dos músculos inspiratórios e expiratórios, bem como á diminuição da Capacidade Vital. Está estudado que uma tosse eficaz requer uma inspiração/insuflação acima de 85% da Capacidade Vital. Quando as técnicas manuais de fisioterapia respiratória são insuficientes para promover uma correcta desobstrução brônquica, principalmente em alturas de acumulação excessiva de secreções, a alternativa mais eficaz é o uso do mecanismo da IN-Exsuflação mecânica promovido por uma máquina denominada CoughAssist (J.H. Emerson Company, Cambridge Mass) ( Figura 2).
O princípio fisiológico desta máquina consiste na aplicação de uma forte pressão positiva (normalmente dos 35 - 45cmH2O) seguida de uma forte pressão negativa de valor proporcional. A diferença obtida entre as duas pressões gera o mecanismo fisiológico da tosse e permite a progressão de secreções das pequenas para as grandes vias aéreas contribuindo de uma forma relevante para uma boa higiene brônquica. Todo este processo é realizado de uma forma não invasiva através de uma máscara facial. No entanto esta máquina poderá ser aplicada também num contexto de cuidados intensivos quando aplicada em doentes intubados dando um forte contributo para a extubação e passagem para a VMNI conforme descrito anteriormente.
Nas crianças com AME tipo I, a aplicação desta técnica de uma forma não invasiva, não é possível nos primeiros 12 meses, uma vez que a criança não colabora. Nestas idades, se a criança entrar em falência respiratória por acumulação de secreções, tem que ser intubada e realizar sessões de CoughAssist pelo tubo endotraqueal. A partir dos 12 meses a aplicação domiciliária deste mecanismo, permite à criança permanecer com uma terapêutica ventilatória não invasiva, não necessitando de ser internado em cuidados intensivos para que haja um alívio das secreções brônquicas evitando assim todas as complicações da ventilação invasiva, bem como promovendo uma melhor tolerância à ventilação não invasiva.
Podemos assim concluir com base neste capítulo que é possível prevenir as complicações respiratórias e evitar o recurso à ventilação invasiva em doentes com AME, contudo é importante que se criem condições favoráveis à expansão desta técnica, condições essas, que não passam unicamente pela divulgação da mesma, mas também por uma mudança de atitudes e práticas que envolve o contributo e vontade de adquirir novos conhecimentos por parte dos profissionais de saúde. É importante salientar que a utilização da VMNI associada á aplicação do CoughAssist, poderá não só melhorar a qualidade de vida dos doentes neuromusculares, mas também, aumentar a sua sobrevida.
Penso que mais do que um alerta, é um dever ético divulgar estas abordagens e seus princípios fundamentais, visto que a avaliação precoce e o estabelecimento de objectivos são a base para o sucesso da intervenção. Tradicionalmente o doente neuromuscular é visto como um "sofredor" respiratório que, devido à progressão da doença é lhes dito que é "normal" esse sofrimento e que têm de aprender viver com ele. Na minha opinião o doente neuromuscular não é um doente respiratório de raiz, e se lhe for fornecido as correctas ajudas técnicas aos músculos respiratórios, esse doente não tem que sofrer de problemas respiratórios, tem sim de aprender a viver feliz, respirando de uma forma diferente.




     






(Lucas e Dr. Miguel R. Gonçalves)

Importante: A imagem acima é de uma máquina COUGH ASSIST, indispensavel no tratamento respiratório de doentes NEUROMUSCULARES!




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